quinta-feira, 30 de junho de 2011

Oriximiná

Há quem viva de lembranças, e mais há, talvez, quem critique aqueles que vivem do passado, mas acredito ser verdadeiramente bom viver o presente com boas lembranças do passado. Numa dessas viagens ao passado lembrei de Oriximiná. Oriximiná era uma pequena cidade, as margens do rio Trombetas, na amazonia legal. Pertence ao estado do Pará no Brasil e hoje está bem maior do que era 30 anos atrás. O rio Trombetas é um afluente do rio Amazonas esse enorme rio cuja largura média é de aproximadamente 5 quilômetros. Em alguns lugares, de uma margem é impossível ver a margem oposta, por causa da curvatura da superfície terrestre. No ponto onde o rio mais se contrai - o chamado "Estreito de Óbidos" - a largura diminui para 1,5 quilômetro e a profundidade chega a 100 metros. A sua água é de cor escura, barrenta, devido a lenta, mas constante erosão das suas margens. Dava um certo receio nadar no rio, principalmente um doutorzinho vindo da cidade grande... Mas foi só por nadar no rio que as coisas mudaram...
Estava ainda na faculdade e soube que a universidade, tinha o que chamava de uma unidade avançada. Era um pequeno "hospital", que tinha uma pequena sala de atendimento, uma sala de cirurgias e um consultório dentário. A cada mês, uma equipe formada por um médico, um dentista, um enfermeiro, um farmaceutico e uma assistente social, era selecionada para substituir a equipe anterior. Foi quando soube que um amigo tinha ido e logo me candidatei a substitui-lo.
A nova equipe embarcou no avião bandeirantes, um bimotor da força aérea brasileira que uma vez por mês levava a nova equipe e trazia a que lá estava. A viagem levou cerca de 14 horas e a tradição era sobrevoar a cidade em voo rasante pois dessa forma as pessoas saberiam que o avião havia chegado e iriam até a pista de pouso, que devido ao relevo, era ainda afastada da cidade. Enquanto as pessoas se dirigiam ao "aeroporto", o avião fazia umas acrobacias, ainda parte da tradição, e quando os carros chegavam, ele aterrisava. Na época eu era piloto de asa-delta, e o amigo que iria substituir contou para todos que eu deveria estar adorando, e aquilo não era nada para mim... Enquanto eu enjoava, e me sentia verde como as copas das árvores que ora via de um lado, ora via do outro, uma freira, já com bastante idade, que viajava ao meu lado, vibrava com as manobras como se estivesse numa montanha russa da Disney. E eu só queria um lugar, que não tinha, para vomitar... Fui o ultimo a descer, do avião, já não tão verde, mas ainda ictérico e quando cheguei junto ao pessoal da cidade que havia ido nos recepcionar, ví logo seus olhares de reprovação.
Era uma 6ª feira, e o avião partiria na 2ª feira, o alojamento, as ruas, as casas, o "hospital", tudo era tão precário que eu só pensava em voltar na 2ª, infiltrado no avião como um passageiro clandestino, mas a tal da responsabilidade, esse mal que começa acometer os jovens e que depois vai piorando com o passar dos anos, não me largava e assim fiquei angustiado os 2 dias. Na 2ª, logo pela manhã levamos os felizardos até ao "aeroporto" e com muita tristeza vi o avião decolar, e desaparecer no céu, não sem antes, uma série de acrobacias e razantes na cidade.
Fui para o hospital e comecei minha jornada que terminaria as 17 horas, pela manhã não apareceu ninguem no consultório, a tarde, também foi calma e no fim do expediente um grupo de jovens da cidade, passou no hospital perguntando se eu não queria ir dar um mergulho no rio. Claro respondi e corri para o alojamento a procura de uns calções. Caminhamos alegres rua abaixo e eu mais contente, pois afinal, não tinha como sair dali mesmo e a solução era me acomodar, o único transporte era de avião ou barco mas esse levaria 3 dias até chegar a cidade! Quando chegamos as margens do rio Trombetas, uma grupo já estava se banhando e mergulhando de uma pedra e aí ví a verdadeira intenção do convite, todos já sabiam da minha triste figura no avião e como cidade pequena não tem muito que fazer e naquela época não existia internet, resolveram rir as minhas custas pois tinham certeza que eu teria medo de mergulhar no rio. Na verdade, como piloto de asa-delta, não tinha medo de altura, e além disso, estava acostumado a fazer mergulho nas praias do Rio de Janeiro e conhecia todas as pedras boas para mergulho, do Rio a Niterói. Só que o mar é limpo e normalmente até vemos o fundo, mas, naquela água barrenta, não se via nada. Mandaram mergulhar da pedra e logo me dirigi para o lugar mais alto, O silencio foi geral, e só perguntei se tinham certeza que não havia pedras em baixo. Ser um bom dentista estava em segundo plano, logo percebi que tinha que me enquadrar com a comunidade e nesse caso seria demonstrando um pouco de coragem e não passando a imagem de um doutorzinho imaturo e covarde. Fiz uma breve oração rezando para realmente não ter nada em baixo e fiz um belíssimo mergulho em canivete. O medo era tanto que quase não afundei, mal entrei na água, já estava desesperadamente nadando para cima, mas quando cheguei a superfície recebi uma grande salva de palmas com mutos sorrisos a mistura. depois do mergulho fomos jogar futebol e no fim do dia estava exausto.
No dia seguinte o consultório estava cheio.
Só depois é que soube que daquele lado da pedra moravam uns jacarés, e por isso ninguem ia para aquela lado, mas fosse verdade ou não, já tinha passado e eu estava em terra firme, se bem que nem tão longe deles...

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