sexta-feira, 24 de junho de 2011

Infância

Vi um filme, que se não me engano, tinha como título: "O Maravilhoso Mundo dos Brinquedos". Assisti como sendo um filme de domingo, apesar de ter sido na 5ª feira. Foi bom para entreter e nada mais; a não ser o facto de, depois do filme, tentar me lembrar dos brinquedos de infância que tive.
É preciso referir antes que não tive muitos brinquedos por um único motivo: Não havia dinheiro para brinquedos... Não haver dinheiro para coisas "supérfluas" era uma situação tão clara e normal que ninguém sofria por isso e nem sequer nos atrevíamos a pedir, corriamos o risco de lavar um cascudo. ( cascudo, a quanto tempo não falo essa palavra... mas para quem não lembra ou nunca ouviu falar, cascudo é uma pancada na cabeça com o nó dos dedos; carolo ). Não é que seja uma pancada muito forte, mas dói!!!!!
Mas, acho que foi por essa época, que aprendi a tirar proveito do lado ruim das coisas e procurar ver sempre o lado positivo. Tudo servia como brinquedo. Um rodinha de borracha que empurravamos com um  arame tentando manobrar a roda sem que ela caisse... Nossa que bom que era! Fazer carrinho com caixas de fósforo, e usar os palitos queimados como dinheiro, lembro que naquela época um litro de combustível para os carrinhos custava cerca de 3 palitos e meio... E assim ia fazendo meus brinquedos, mas depois a coisa evoluiu e meus brinquedos começaram a melhorar. Um dia vi uma reportagem sobre uma novidade que aparecia nos USA, era uma pequena prancha sobre rodas que chamaram de Skate. Fui a uma serraria que havia perto de casa e pedi um pedaço de madeira e como os funcionários não ligavam muito a crianças, mandou que eu mesmo procurasse na pilha dos restos de madeira e ver se tinha alguma coisa que interessava.
Claro que tinha, tudo ali me interessava, mas para não acabar com a galinha dos ovos de ouro, pedi só aquela que daria para fazer o Skate. Desenhei, com lápis, 2 pranchas, um desenho que havia copiado das revistas que via no jornaleiro e lá voltei para a serraria, dessa vez com um pedido um pouco mais complicado. Cortar a madeira seguindo o desenho que havia feito. O funcionário disse logo que não poderia fazer pois não tinha autorização e mandou falar com o dono da serraria. Fui até a secretaria e pedi para falar com o dono. A secretária me olhou de cima a baixo, coisa que não levou muito tempo, riu e foi perguntar ao patrão se poderia me receber, e para espanto dela e meu, claro, ele mandou entrar. Era uma sala enorme toda em madeira trabalhada, com uma mesa igualmente enorme com papeis, mas bem arrumada, e por trás uma estante cheia de livros encadernados, fiquei impressionado e acho que encolhi ainda mais. A sala era escura mas um candeeiro iluminava parte da mesa fornecendo luz suficiente para que se pudesse trabalhar, no resto da sala, apesar de ser dentro da serraria, reinava o silencio. O dono, (pena não saber o nome dele...) mandou-me sentar numa das poltronas que ficavam em frente a mesa e na mesma hora desapareci dentro dela. Só conseguia ver o que estava a frente pois para os lados havia uma aba de cada lado da poltrona que tinha a impressão que iriam me abraçar. Ele, fumando um cachimbo cuja fumaça dançava desenhando no ar estranhas e hipnotizantes formas, dançando num descompasso muito mais lento do que as batidas do meu coração, me perguntou o que desejava. Mostrei o pedaço de tábua e o desenho, explicando para que servia. Ele indagou porque dois desenhos e, então expliquei o meu plano. Disse que tinha um amigo que tinha uns patins, daqueles de 4 rodas, que faziam um barulho horrivel e que eu tentaria convençe-lo a, com um pé dos patins, fazer o Skate e em troca ele me daria o outro. Ele perguntou se eu não deveira ter feito a proposta, ao amigo, antes de cortar a madeira, e expliquei que não, pois com a madeira cortada, ele veria que o plano era viável. O dono deu algumas baforadas, olhando o desenho na madeira como se tivesse todo o tempo do mundo e eu não conseguia decifrar em seu rosto se havia aprovação ou reprovação e nem consegui desviar o olhar pois me sentia vigiado pelas abas da poltrona.
Após o que me pareceu uma eternidade, chamou a secretária ordenando que fosse chamar o encarregado. Quando o encarregado chegou ele disse: Guarde bem a fisionomia e o nome desse rapaz, pois de hoje em diante pode dar e cortar a madeira que ele quiser. Disse que eu podia ir e quando me levantei ele esticou a mão para me comprimentar, tentei retribuir o aperto de mão firme e tentei passar meu agradecimento. Ele nunca mais deve ter se lembrado disso, mas para mim foi um formador de personalidade, me ensinou a ter mais tempo e a ouvir, me ensinou a dar oportunidades, e tudo isso em, quem sabe?, 10 minutos?...

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