quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Viagem de veleiro Lisboa - Portimão

Lisboa – Algarve – Brida – Treino de Mar


O domingo estava ensolarado e o fim da manhã avisava que a tarde iria ser quente. No Brida, um Beneteau Oceanis 411, ultimavam-se as arrumações para a viagem, Lisboa – Portimão. Fernando e Pedro da Treino de Mar, combinaram que os tripulantes deveriam chegar as 11:30, para, então, zarparmos as 12:00. Cheguei, pontual, que nisso de atrasos a Treino de Mar faz cara feia… e ao chegar ao portão da Doca de Alcântara, fiquei algum tempo a olhar através da tela aramada que separa o sonho da realidade, do lado de lá da tela estão embarcações lindas, à vela e à motor, de todo tamanho e feitio, e, claro, para todos os bolsos, do lado de cá, está o caos da cidade, trânsito, crise, desemprego, políticos que falam em medidas de austeridade, só esquecem que em latin, austeritate, significa seriedade e exactamente esta seriedade não vemos nos políticos, e, por essas e outras, é que queria ficar, pelo menos um dia, no lado dos sonhos.
Após breves despedidas, zarpamos, e mesmo sendo uma pequena viagem de apenas 24 horas, as despedidas são estranhas e causam um sentimento de saudade antecipada, e não pude deixar de pensar em nossos antepassados mais recentes, na fase de emigração, anos cinquenta, em que, ao embarcar em um navio, as despedidas, na maioria dos casos, eram para sempre, pois muitos, nunca mais voltariam, e assim, meio melancólico, saímos da doca e entramos no Rio Tejo. Logo a melancolia deu lugar a animação e Firmino, sempre muito animado, e que estava ao leme disse: “ _ Toca a desligar o motor e vamos à vela, em dois bordos conseguimos sair do Tejo e aproamos ao Cabo Espichel”. Não foi bem assim, tivemos que dar meia dúzia de bordos e após quase 2 horas conseguimos aproar ao primeiro objectivo, é claro que isso rendeu também meia dúzia de reclamações bem-humoradas, mas enfim, e com muito calor, lá conseguimos sair do Tejo e aproamos rumo ao Cabo Espichel. Agora com a perspectiva de mantermos o mesmo bordo durante algum tempo, era a hora do farnel, e os organizadores, haviam pedido que levássemos comida para partilhar, mas normalmente entendemos: “_ Tragam comida para um batalhão…” E assim, tínhamos comida que, sem exagero, dava para ir até Marrocos. Só para dar um exemplo, havia uma caixa com, apenas… um leitão!
Cumprida a obrigação do repasto, tinha medo que tanta comida fosse dar um mal resultado à noite, quando provavelmente o mar estaria com mais ondulação, e o medo era meu, pois não tenho muita firmeza de estômago e tinha medo do “mal de mer”, não só pela indisposição que estraga a viagem do infeliz, mas principalmente por medo de fazer má figura com os novos amigos. Esse medo, é um ranço de masculinidade em que não podemos demonstrar fraqueza, chorar ou demonstrar carinho, mas na verdade não foi nada disso que aconteceu, alguns, tiveram uma ligeira indisposição mas nada que atrapalhasse ou que fosse objecto de recriminação, ao contrário, havia sempre alguém para ajudar.
Tiago, o mais jovem, esbanjava tranquilidade, ora pegava sol, ora lia uma revista dentro da cabine, ora dormia em algum canto, impassível com o movimento do barco e na tranquilidade que só conseguimos na idade que nossa maior preocupação não vai além do fim das férias. Acredito que a companhia de veteranos quarentões, não fosse lá das melhores, até porque, nossas conversas acabam sendo cansativas, Mas Tiago não se incomodava, desde que não interferissem com os petiscos e com o jantar, onde, alheio ao movimento do Brida, enquanto nos preocupávamos com a quantidade que colocávamos no prato, com medo de enjoar, repetiu a lasanha, que segundo Pedro não precisávamos nos preocupar pois era um jantar “diet!”.
 O percurso entre a saída do Tejo e o cabo Espichel decorreu tranquilo, sempre no mesmo bordo e com vento de alheta, recebendo o vento de estibordo. Nossa intenção era passar próximo ao cabo Espichel e continuar um rumo directo ao cabo de São Vicente, isso nos faria passar ao largo de Sines mas com o inconveniente de provavelmente encontrarmos muito tráfego de navios. Desde nossa saída em Lisboa, reparava que Luís estava sempre conferindo o equipamento e afinando as velas e eu procurava entender como funcionava as afinações que ele fazia pois afinal, meu objectivo nessa viagem era aprender mais sobre vela. Logo percebi que essa vocação para as afinações vinha do seu gosto regateiro, onde a velocidade e a precisão são fundamentais. Luís nunca se recusava a responder às perguntas, e me tornei um verdadeiro incómodo. Pensamos algumas vezes em içar a vela Balão, também conhecida como Spinnaker, mas içar o balão envolve uma manobra mais complexa e a tripulação não era propriamente experiente e Luís, tinha receio.
O por do sol é sempre uma hora importante, e tem sempre uma magia implícita, já vi por do sol enquanto viajava de avião, em navio e até voando de asa delta, mas mesmo após tantos ocasos, sempre que consigo ver, paro o que estiver a fazer, para apreciar o espectáculo e, quem sabe, na esperança de assistir um “green flash”, e perdido nesses devaneios, enquanto o Jorge timoneava, uma onda mais afoita bateu no costado e tomei um verdadeiro banho, fazendo-me voltar ao Brida, já estava com frio mas estava adiando a troca de roupa para o impermeável, com medo de ficar abafado em tanta roupa e começar a enjoar, mas, com a roupa toda molhada não teve jeito e entrei na cabine para colocar uma roupa quente e o impermeável. Nesse meio tempo fez-se a divisão dos quartos, e ficamos, eu e Tiago, com o quarto das 23:00 à 01:00. Tentei descansar um pouco mas foi impossível, a ondulação havia aumentado e apesar do vento não ser muito forte, a navegação estava bastante desconfortável, pois a frequência de onda era mais rápida que a velocidade do Brida e passávamos o tempo a ver as ondas se formarem na popa, levantar o veleiro como se fosse um barco de papel e passar por nós, não é que fosse propriamente perigoso, mas que fazia um bocado de impressão, fazia, e, o que era pior, é que normalmente a ondulação, ao passar, jogava a popa para sotavento fazendo o Brida adornar de maneira bem desconfortável, obrigando aos incautos a se agarrarem ao que estivesse próximo e fosse firme, a essa altura já o timoneiro, da hora, estava amarrado com seu arnês à linha de vida, enquanto quem estivesse no convés, também tinha o arnês vestido. O luar era forte, quase lua cheia, e isso era, antes da beleza, um factor importante pois com visibilidade conseguíamos avistar os navios. De facto, o objectivo do rumo que havíamos tomado era, como disse, traçarmos uma recta ao cabo São Vicente, mas a costa ficou longe, devido a concavidade geográfica da costa alentejana, e ainda, uma ligeira mudança do vento nos obrigou a uma ligeira variação para oeste, o que nos fez entrar exactamente na rota dos navios que se dirigiam ao porto de Sines, vindo de alto mar, e, quando assumi o meu quarto, as 23:00, já avistávamos navios a toda volta. Fernando e Luís se revezavam na perscrutação do horizonte e na mesa de navegação de olho no radar, tentávamos ver as luzes de navegação para saber em que direcção seguiam os navios, e em dada altura, passamos a popa de um cargueiro carregado de contentores, e por mais que fosse uma situação controlada deu um arrepio na “espinha” quando a uns míseros 20 metros do navio ouvimos o apito de saudação do navio. Nessa altura estava no leme e não queria que o meu quarto terminasse, estava muito satisfeito de estar ali, naquela hora, era isso o que queria, aprender mais sobre navegação em alto mar, navegar a noite e se possível com mal tempo, pois sabia que tinha pessoas responsáveis e com experiência onde poderia aprender, e uma coisa que aprendi foi, prudência, pois logo Luís e Fernando decidiram que não valia à pena ficar no meio do tráfego marítimo e resolveram que deveríamos cambar em roda e seguirmos, agora, em direcção a costa, mesmo que isso nos obrigasse a outros bordos de correcção de rumo. Passamos a receber o vento por bombordo e a navegação ficou um pouco mais confortável, em pouco tempo passei o leme ao Tiago, com a indicação do rumo a seguir, e logo avistamos o farol do cabo de são Vicente e passamos a nos guiar em direcção ao cabo, mas, novamente o rumo ficava um pouco apertado e mais uma vez, e por prudência, demos outro bordo com a finalidade de nos afastarmos, a ponto de termos margem para dobrarmos o cabo.
O dia amanheceu e ainda não tínhamos chegado suficientemente próximo a costa mas logo o tempo passou e, respeitadas as distâncias de segurança, cruzamos o cabo de são Vicente e a Ponta de Sagres. Estávamos animados com a perspectiva de, agora seguindo rumo leste, fossemos navegar com uma orça apertada, o que faria o Brida aumentar consideravelmente sua velocidade, mas o que aconteceu foi que entramos num lago e o vento praticamente parou e para minha decepção, ligamos o motor e aproamos a entrada da Marina de Portimão.
Tomamos um tranquilo pequeno-almoço e em pouco tempo estávamos ancorados em Ferragudo e todo encanto do por do sol, do luar, do vento, das ondas levantando a popa do Brida, e dos golfinhos que nadaram algum tempo ao nosso lado, foi quebrado pelo barulho da Música na praia de Portimão e das motas d`água passando em velocidade ao nosso lado. Era a terra perguntando: “_ Aproveitou o lado do sonho? Então se prepara para voltar ao lado de cá do aramado”.
                                  

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